Pétalas literárias
Carta
a Maria Teresa Horta
Não
a aborrecerei com apreciações que já deve ter ouvido inúmeras vezes, bem como
me pouparei na abordagem de detalhes acerca de Novas Cartas Portuguesas – por certo, conhecerá melhor a obra que
escreveu que qualquer um dos seus leitores. Não pense que redijo esta epístola
como modo de a felicitar por, em conjunto com as restantes Marias, ter escrito
um livro que em tanto contribuiu para a liberdade de (quase) todos, hoje, aqui,
neste pequeno país a que chamamos Portugal. Apesar de merecer esse
reconhecimento – e, da minha parte, tranquilize-se porque o tem –, de que lhe
serviria esta carta que lhe escrevo?
Venho
antes anunciar-lhe a minha profunda desilusão relativamente ao que disse numa
entrevista, aquando da reedição de Novas
Cartas Portuguesas. A causa deste descontentamento – chamemo-lo assim, para
não me repetir, afinal escrevo para uma conceituada poetisa – não se encontra
propriamente na sua pessoa, apesar de ter vindo de si, porque o que disse é
verdade; e é esta inquietante “verdade” o porquê deste meu sentimento de
descontentamento. Mas nem tudo foi mau nessa tal entrevista, e, como tal,
começaremos pelo melhor: a repercussão que a obra em questão teve no
estrangeiro, aquando da sua publicação, desde Washington a Paris, surpreenderá
qualquer um; o apoio de famosas escritoras francesas, como Simone de Beauvoir,
impossibilita a ausência de um certo orgulho que, de certo, vos (Marias das
Cartas) terá atingido.
Contudo,
é o contraste entre essa realidade no estrangeiro (manifestações feministas
contra a opressão das mulheres em Portugal) e a que houve e – entristeço-me ao
dizer isto – há no nosso país. Ouvi-a dizer “e, durante vinte e cinco anos, o
livro esteve esgotado em
Portugal. E ninguém se interessou por isso, porque é o livro
mais mal-amado em Portugal quanto é amadíssimo no estrangeiro”. E isto, na
verdade, assusta-me, porque nos revela que as mentalidades, se a tal afirmação
se conferir inteira verosimilhança, ainda pouco mudaram em quatro décadas.
Continua a haver injustiças, o machismo a que aludiu, desta vez numa outra
entrevista. Mas está tudo disfarçado, como também já estava durante o Estado
Novo – tal como escrevem: “a mulher vota, é universitária, emprega-se; a mulher
bebe, a mulher fuma, a mulher concorre a concursos de beleza,… ”, na Segunda Carta VIII, justificando a
irónica afirmação que antecedera esta enumeração: “Eis-nos em Portugal em plena
era da libertação da mulher:”. Sei que muito melhorou desde o 25 de abril, que
ajudastes a edificar, no que toca à condição da mulher na sociedade; mas ainda
há muito por melhorar, porque ter tudo escrito na Constituição, por meio de
frases bem elaboradas, não significa ver aplicado na realidade.
E,
enfim, cá nos encontramos. Não leve esta pequena carta de desabafos muito a
sério. O mais certo é que nunca a leia, mas gostava que o fizesse. Serei,
certamente, um dos muitos que lhe querem dizer algo do género. Mas a verdade é
que isto, que eu aqui critiquei, não se aplica só a Novas Cartas Portuguesas; aplica-se, antes, a muitas das
manifestações culturais em Portugal. Enquanto não valorizarmos o que temos,
enquanto isso apenas for feito pelo estrangeiro, como nos poderemos livrar da
relação de subserviência que com ele estabelecemos?
Iria
agora comparar a relação Portugal-Estrangeiro na atualidade com a Mulher-Homem
no Estado Novo, mas tal seria incoerente; na situação feminina que vós
retratais, embora a mulher esteja numa posição inferior à do homem (na
sociedade, claro está), reconhece que tal está errado e valoriza o que de
melhor tem. Gostaria de dizer o mesmo de Portugal, mas poucos podem afirmar que
reconhecem o que o seu país lhes oferece, e, como sabemos, o Mundo nunca foi
feito de minorias.
Literatura Portuguesa, 10º F
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