Pétalas literárias

Carta a Ruben A.
29-03-2012, Mundo Real

Estimada personagem principal deste livro,
Escrevo-te agora que, já sendo tu completamente, podes perceber completamente as minhas palavras. Quero, antes de mais, dizer que foi um grande gosto conhecer-te. Conhecer a tua história, as tuas ideias e reflexões, a tua vida. Por vezes as tuas descrições eram tão intensas que conseguia, para além de visualizar a tua situação, quase experimentá-la. Tentar ver pelos teus olhos, imaginar como seria existir em duas pessoas, no mesmo tempo, mas em espaços diferentes, sentindo tudo o que a outra sente. Confesso que não foi fácil… é uma ideia brilhante, gabo o teu autor e criador por tê-la tido e por te ter inventado, mas confesso que me transcende um pouco. Tal como partes da tua história em que és confuso no que escreves. Talvez confuso não seja a palavra certa… diria melhor, não imediato? Quase enigmático… se o teu livro fosse água, cada página seria uma esponja a transbordar. Quanto conteúdo num só parágrafo elaborado, quantos sentidos numa única frase! Penso até que por vezes era mesmo essa a tua intenção: não que eu percebesse o que querias dizer, mas que refletisse a fundo sobre possíveis perceções. Por essa mesma razão fui obrigada a reler pedaços da tua história. Não foi como passar os olhos por rios de tinta impressa. Convidaste-me a navegá-los, remar a cada nova ideia e a içar a vela sempre que os ventos fossem favoráveis. Por outras palavras, deste-me uma carga de trabalhos… dizem que quem corre por gosto não cansa, no entanto, eu, apesar de cansada, ganhei um tamanho gosto e vício pela corrida que me propuseste, que só consegui parar quando cheguei à meta. E isto é um facto pelo qual não posso deixar de te agradecer.
   Falas muitas vezes da cidade. Caracterizas e criticas a cidade. Será ela uma personificação? Uma metonímia para pessoas? Não… porque, no mesmo raciocínio, diferencias a cidade das gentes. Penso que te referes à cidade como um todo. Uma mistura das pessoas e da própria cidade, que descreves tão bem. O espaço, a sua história, cada árvore do parque, cada pessoa que nele passeia, os pensamento que pairam no ar, os pássaros que cantam, cada pôr-do-sol, as más e as boas intenções, as mesquinhices, o rio, a Côrte, cada silêncio… tudo faz parte daquilo que designas como cidade. E a ela te referes inúmeras vezes, explicitas a polaridade da sua posição quanto a ti e ao teu caso e falas da vossa relação. Pergunto-me se te achas superior ou inferior à cidade, pois esse é um aspecto em que te contradizes ao longo do livro. Mas isso já são divagações minhas…
   Dizem os críticos às tuas críticas que tens um “humor fino”. Embalada pelo teu sarcasmo e franqueza, não dei uma única gargalhada enquanto lia as tuas palavras meticulosamente bem escolhidas. Houve alturas em que esbocei um sorriso, pelo brilhantismo das tuas ideias. Ou pelo amor e dedicação que tinha a tua ex-namorada contigo na ajuda que te prestava e nas cartas que te mandava. Ou ainda pelo teu carinho ao outro que eras tu – no fundo, a ti mesmo.
   Gostei das descrições de Lyon, que te passava o outro que eras tu. Pergunto-me se o teu autor alguma vez lá esteve. Do que pesquisei da sua vida, nada encontrei… mas pelo que pesquisei de Lyon e pelas tuas descrições fiquei com vontade de ir lá um dia. Quanto ao nosso Portugal… ainda é o mesmo, sem de facto o ser. Eu e tu vivemos em épocas diferentes, onde talvez coisas diferentes aconteçam, mas o facto é que acertaste em cheio em todas as reflexões que fizeste quanto às pessoas e quanto à cidade. Será o país que estava condenado à intemporalidade ou serás tu que estás uns passos largos à frente do teu tempo na tua crítica apurada?
   Compreendi-te nos maus momentos e torci por ti nos momentos de coragem. Quanto a ti, estiveste sempre ao meu lado ao longo da última semana. Abriste-me uma janela para dentro de ti, que me abriu uma porta para o mundo. E assim termino esta curta carta, esperando que ela um dia possa chegar ao destino, perdido algures no mundo da imaginação e da literatura.
   Despeço-me agora com os melhores cumprimentos, os mais sinceros agradecimentos e as maiores admirações da tua pessoa complexa e completa.

   Cumprimentos também ao teu criador, onde quer que ele resida agora,
Maria Barros
Literatura Portuguesa, 10º F

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Calça-me um Conto

Concurso de Marcadores de Leitura Digitais no âmbito do MIBE