Pétalas Literárias
Poema Inspirado em Resposta
a Matilde, de Fernando Namora
Tal nunca me tinha acontecido, como é evidente
Ou eu estou a ficar doido, ou ele mente.
Ele é magro e simples no que diz
Será casado? Será feliz?
Ofereci-lhe presunto e queijo, ele não quis
De novo os dois ovos, quanto mais frescos melhor,
Juro por Deus que não entendo o senhor.
Dois ovos e nada mais, todos os dias, por favor!
“Então não pode guardar lá os ovos?”
“Não senhor, quero-os fresquinhos e novos!”-
E respondeu-me assim desta maneira!
Já irritado, quis perguntar-lhe se era brincadeira,
Mas sou vendedor de profissão
E, está claro, o cliente tem sempre razão.
Até que de novo ousei comentar
“Os ovos desta casa devem-lhe agradar,
Vem cá buscá-los sempre antes do jantar”.
Ao que ele retorquiu, sem alterar a expressão
“Não, por acaso não”.
Desta vez, não me consegui conter
Mas que perturbação! Tinha de me esclarecer -
“Então, suponho, sejam para alguém seu conhecido…”
“Não, não, ficam sempre comigo.”.
Que disse: “Oh homem, tu estás doido
Se ele não estiver!
Mas um de vocês não está bom do juízo
Eu vou assistir amanhã, se é preciso”-
E a minha mulher foi, e presenciou
Os dois ovos que o homem levou.
De saber o raio da verdade!
E foi então que decidi que no dia a seguir
Ia deixar-me de rodeios e inquirir
Aquilo que há semanas me andava a perseguir:
“Muito simples”, disse ele, “Para pintar.”
Abriram-se-me os olhos em interrogação
E espanto, e incredulidade, e indignação
“Pintar??”, repeti, sem esconder o que sentia
“Numa parede, sabe as obras na Alameda, ao fundo?”,
Calmamente e bem disposto ele retorquia.
Mas que indivíduo do outro mundo!
Estava a falar verdade ou mentia?
“Isso vai ser um café”, lembrei de repente
“E a sua pintura está a meu cargo, fui contratado pelo gerente”.
“E é com os dois ovos que pinta as paredes por aí fora?”
“Sim. Quer ir lá comigo?”
“Eu? Consigo? Agora?”
“Quando quiser, meu amigo.”
“Posso ir quando fechar a charcutaria?”
“Por volta destas horas, qualquer que seja o dia.”
“Não, de hoje não vai passar!”
E de facto, lá estava eu, depois da charcutaria fechar.
Como se se tratasse de um segredo,
Ou de uma grande proeza.
“Repare nas cascas dos ovos e nesse almofariz
É assim que se faz a mistura”, senti-me um aprendiz.
A parede estava cheia de cor
E a minha testa cheia de suor.
O cliente, de facto, tinha razão,
E que vergonha a minha, e que confusão
“Perdão”, proferi, “Toda a minha intromissão…”
“Não tem de se preocupar…”
“E sabe qual é o pior? A minha mulher não vai acreditar!”.
Maria Teixeira de
Barros
“Dois ovos ao fim da tarde”, quem manda é o cliente
Mas como posso eu compreender esta gente?Tal nunca me tinha acontecido, como é evidente
Ou eu estou a ficar doido, ou ele mente.
Ele é magro e simples no que diz
Ofereci-lhe presunto e queijo, ele não quis
De novo os dois ovos, quanto mais frescos melhor,
Juro por Deus que não entendo o senhor.
Dois ovos e nada mais, todos os dias, por favor!
Perguntei-lhe se não tinha um frigorífico.
“Sim tenho”, respondeu pacífico.“Então não pode guardar lá os ovos?”
“Não senhor, quero-os fresquinhos e novos!”-
E respondeu-me assim desta maneira!
Já irritado, quis perguntar-lhe se era brincadeira,
Mas sou vendedor de profissão
E, está claro, o cliente tem sempre razão.
Mais dias vieram depois
E todos os dias ele ia buscá-los, dois a dois,Até que de novo ousei comentar
“Os ovos desta casa devem-lhe agradar,
Vem cá buscá-los sempre antes do jantar”.
Ao que ele retorquiu, sem alterar a expressão
“Não, por acaso não”.
Desta vez, não me consegui conter
Mas que perturbação! Tinha de me esclarecer -
“Então, suponho, sejam para alguém seu conhecido…”
“Não, não, ficam sempre comigo.”.
Mas que dilema! Mas que problema!
Contei tudo à minha mulherQue disse: “Oh homem, tu estás doido
Se ele não estiver!
Mas um de vocês não está bom do juízo
Eu vou assistir amanhã, se é preciso”-
E a minha mulher foi, e presenciou
Os dois ovos que o homem levou.
O mistério crescia e com ele a ansiedade,
A aflição, o desespero, a descomunal vontadeDe saber o raio da verdade!
E foi então que decidi que no dia a seguir
Ia deixar-me de rodeios e inquirir
Aquilo que há semanas me andava a perseguir:
“Mas o senhor faz o obséquio de me explicar…”
E lá lhe pus a minha questão.“Muito simples”, disse ele, “Para pintar.”
Abriram-se-me os olhos em interrogação
E espanto, e incredulidade, e indignação
“Pintar??”, repeti, sem esconder o que sentia
“Numa parede, sabe as obras na Alameda, ao fundo?”,
Calmamente e bem disposto ele retorquia.
Mas que indivíduo do outro mundo!
Estava a falar verdade ou mentia?
“Isso vai ser um café”, lembrei de repente
“E a sua pintura está a meu cargo, fui contratado pelo gerente”.
“E é com os dois ovos que pinta as paredes por aí fora?”
“Sim. Quer ir lá comigo?”
“Eu? Consigo? Agora?”
“Quando quiser, meu amigo.”
“Posso ir quando fechar a charcutaria?”
“Por volta destas horas, qualquer que seja o dia.”
“Não, de hoje não vai passar!”
E de facto, lá estava eu, depois da charcutaria fechar.
Entrei no café, meio a medo
E ele disse-me que subisse a uma mesa,Como se se tratasse de um segredo,
Ou de uma grande proeza.
“Repare nas cascas dos ovos e nesse almofariz
É assim que se faz a mistura”, senti-me um aprendiz.
A parede estava cheia de cor
E a minha testa cheia de suor.
O cliente, de facto, tinha razão,
E que vergonha a minha, e que confusão
“Perdão”, proferi, “Toda a minha intromissão…”
“Não tem de se preocupar…”
“E sabe qual é o pior? A minha mulher não vai acreditar!”.
Literatura Portuguesa, 10º F
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