Pétalas literárias

Carta a Maria Velho da Costa
            A vivência de Maria Velho da Costa encontra-se espelhada na sua maneira de ser: declarou, numa entrevista, que o seu ar austero esconde uma pessoa terna e carinhosa. Perdoar-me-á ao dizer-lhe que, realmente, não é este último género de pessoa que aparenta ser – a própria afirmou que não o deixa transparecer. “Mas porquê?”, pergunto.
            Pergunto, porém temo saber a resposta: foi a vida que teve que a fez como é. A injustiça de que foi alvo – e não me refiro só à relatada/metaforizada em Novas Cartas Portuguesas – deixou-a, a meu ver, desiludida com o Mundo. Não pertencia a ele, ou pelo menos os outros faziam com que quisesse não lhe pertencesse. Achou, por necessidade, fingir-se de zangada com tudo e todos; talvez, desse modo, se arrependessem do que lhe haviam feito. E, somente para os que a tratavam bem – as suas “manas”, por exemplo –, revelava a pessoa que, de facto, era: alguém, segundo diz, atenta e simpática. Se calhar, é mesmo esta a verdade por detrás da sua aparência pouco aprazível.
            Contudo, apesar de entender o porquê desse disfarce, não considero correta a razão do seu uso. Ainda que ninguém, talvez, lhe tenha pedido desculpas, muito mudou; e não deve a mudança, ou o esforço para a alcançar, ser reconhecida?
            Enfim, nada disto interessa, no final de contas. Teria esta carta mais utilidade se gastasse as suas linhas referindo o quanto Maria Velho da Costa enriqueceu Portugal e a sua cultura. Escolhi falar-lhe, no entanto, da sua aparência e do porquê da sua razão. Apercebo-me agora do quão ridículo isso é. Para dizer a verdade, comecei a escrever esta epístola sem saber aonde esta me levaria, mas estava a tentar fugir, ao máximo, referir a sua importância na sociedade; é impossível. É como quando se fala em Gil Vicente, e se imagina teatro; pronuncia-se “Luís de Camões”, e ouve-se Tágides e criaturas mitológicas. Agora, após ler Novas Cartas Portuguesas, sempre que ouvir o nome de Maria Velho da Costa, pensarei inevitavelmente na mulher – sim, a mulher, porque é o que simboliza (e agora não me refiro ao seu ar austero).
            Enfim, reconheço que vim parar onde não queria chegar, e já referi o que é; mas é este o poder da imortalidade artística: levar-nos-á, sempre e inevitavelmente, pelos mesmos caminhos. E, simultaneamente, é este também o seu grande problema.                                                                           
 Eduardo Nunes
Literatura Portuguesa, 10º F


       

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