Concurso "A Europa na escola - 2008"


O conto "Fotografia a preto e branco ", das alunas Ana Bernardino, Filipa Isidoro, Inês Gomes e Teresa Nogueira, alunas desta escola, foi galardoado com o 2º Prémio, a nível nacional, do Concurso "A Europa na escola - 2008". O Concurso decorreu no ano lectivo anterior, frequentando as alunas, na altura, o 11º ano. Actualmente pertencem à turma I do 12º Ano. Parabéns a todas!

Fotografia a preto e branco

Era uma tarde de Verão. O calor intenso que se fazia sentir no centro de Paris confinava-me às paredes da antiga casa do meu avô. Decidi então subir ao sótão e procurar alguns vestidos antigos que por lá estivessem guardados. Foi aí que, ao abrir uma arca, encontrei uma pilha de cartas, umas sobre as outras, velhas, sujas, gastas, perdidas no tempo. Havia, no entanto, uma fotografia que sobressaía entre os demais papéis: a imagem de um homem e de uma mulher com feições árabes, a preto e branco, não se afigurava muito vulgar. A fotografia estava assinada por trás – “Zuhur e Laurent” –, acompanhada de uma carta que ainda conservava as marcas de um passado esquecido. O que li foi surpreendente.

3 de Agosto de 1962

Laurent,

A minha incerteza impede-me de exprimir o que realmente sinto. Na verdade, nem eu sei o que sinto, porque toda esta confusão oculta o meu espírito. Volto amanhã para Argel, agora que já tenho uma pátria. Tornou-se impossível viver em França; também é muito difícil voltar para o meu país. Esta decisão não é fácil, mas é a única que me resta.
Enquanto subia as escadas do teu prédio, acabada de chegar de uma dura viagem que me cansara o corpo e a alma, mas que ao mesmo tempo representava a materialização da minha esperança, sentia que algo inesperado me aguardava. A recusa da Madame Rochelle foi o primeiro sinal de que arrendar um quarto a uma jovem argelina se ia tornar uma tarefa penosa. O primeiro olhar que trocámos? Ficou para sempre gravado na minha memória. Tu foste a primeira pessoa que me olhou sem preconceito ou ódio. Com a tua ajuda, consegui ficar em Paris durante oito anos, no quarto vago que me ajudaste a encontrar.
“Shokran! 1”. Foi a primeira coisa que te disse. A partir daí, nada voltou a ser igual. Apesar de todas as diferenças, a nossa paixão era inevitável: as desigualdades não nos separaram; apenas nos uniram. Durante estes oito anos, tive de lidar com uma faca de dois gumes: por um lado, o nosso país era um só; por outro, as diferenças culturais afastavam os dois povos, o meu e o teu. Também o preconceito da tua família contribuiu para a nossa separação. A primeira vez que os teus pais olharam para o haik2, o choque de culturas surgiu como algo fatal – ficou óbvio, desde o primeiro instante, que eles nunca me aceitariam.
Não podemos estar juntos, não posso praticar as tradições do meu povo, não posso expressar livremente a minha religião. As pessoas que me vêem na rua desconfiam de mim: vêem uma mulher argelina, muçulmana, vêem, no fundo, uma pessoa a evitar, uma inimiga.
Até hoje, sempre tive de lutar pela sobrevivência: após o terramoto de 1954, a destruição que assolou a minha cidade levou-me à escolha de um novo local para viver. Agora, a decisão é definitiva. A destruição que assola a minha cultura obriga-me a partir.

Yajebu an athhaba al aan3. Ma’a salama4.

Zuhur

Quando acabei de ler a carta, olhei para a janela e reparei que, na rua, passava um casal: ele era asiático, ela nórdica. Mais longe, no horizonte, conseguia avistar um bairro social degradado, morada de pessoas menosprezadas pela sociedade, de indivíduos marginalizados pelo mundo, num critério irracional de diferença, baseado não nas pessoas em si, mas na sua etnia e aparência. Um mundo cheio de estereótipos e de generalizações infundadas. No entanto, uma esperança surgiu na minha consciência. Ao contrário do que acontecia em 1962, a União Europeia já não é uma mera união económica e política, mas sim uma união social, interessada em promover o interculturalismo. Hoje em dia, o choque de culturas pode ser transformado num diálogo aberto a todos os cidadãos, de uma forma responsável e livre de qualquer preconceito.
Então lembrei-me da minha colega romena, do meu tio de ascendência portuguesa. Desci as escadas e dirigi-me à sala: a televisão ainda estava ligada; no ecrã passava agora a emissão dos Jogos Olímpicos. Talvez hoje o amor vivido entre o meu avô e a jovem argelina fosse possível. Talvez hoje ela não tivesse de ocultar a os seus costumes e tradições. Talvez hoje a fotografia não fosse a preto e branco: talvez hoje já houvesse uma mistura de cores, talvez já fosse possível uma verdadeira união entre os dois povos. Cabe-nos a nós, enquanto cidadãos, preservar a diversidade cultural e impedir que ela seja um obstáculo, transformando-a numa forma de união. E assim, naquela tarde abrasadora de Verão, apercebi-me de que as diferenças culturais não são mais do que elementos que enriquecem o nosso mundo.


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