Pétalas literárias

Hoje vamos iniciar uma nova secção no nosso blogue, com a publicação de textos criativos, em poesia ou em prosa, dos nossos alunos.
Demos-lhe o título de Pétalas Literárias por se tratarem de textos escritos ao longo do ano por jovens principiantes na arte da escrita, que um dia poderão, quem sabe, florescer como escritores. A qualidade dos textos leva a esta necessidade da sua partilha para que outros possam fruir da sua mensagem ou tomá-los como fonte de inspiração.

Para começar, dois poemas da aluna Maria Barros, por ela declamados no Sarau "De mãos dadas no combate à pobreza e exclusão social", que decorreu na nossa escola no dia 20 de Outubro, e um texto do aluno Eduardo Nunes, ambos do 10º F.

História Triste

Posta de parte, fui posta de parte
Empurraram-me para fora
Do embarque
Mandaram-me embora
E eu estou aqui para contar-te.


Fui excluída
Empurraram-me para fora
Da corrida
E só me resta agora
Caminhar descalça para a saída.


Mas não me deixam sair!
Cospem-me para o meio
E fazem-me cair
Sou aquela que não tem para onde ir, para onde fugir
E que também ninguém sabe de onde veio


Sou um pedaço de lixo
Que ninguém apanha para deitar no contentor
Mas que todos pisam e repisam
Ignorando ou rindo da minha dor


E estou a contar-te isto neste momento
Porque no teu dia a dia não estás atento
A mim e a tantas outras crianças em sofrimento
Mas eu peço-te que a partir de hoje seja diferente
Que deixes de ignorar o meu olhar carente
E, num gesto consciente,
Me estendas a tua mão
Por favor, não custa nada
Para eu te responder com o coração:
                                                      Meu amor, muito obrigada.



Menina da Rua

Face pálida, branca e gelada
Olhos fechados em meia-lua
Choras a dormir o que não choras acordada
Sozinha, abandonada, perdida nesta rua


Até o vento estremece
Ao ver-te assim, desprotegida
E num murmúrio triste sopra a prece
De que alguém te dê amor, felicidade, vida


Pergunto-me como passa tanta gente
Apressada e sem parar, à tua frente
Não haverá uma réstia de piedade
                                                 Nos seus corações?
Parece que têm medo da verdade
E de ver que há uma menina da tua idade
Que merece as suas orações.


Mas nesta gélida noite de luar
Em que mais uma vez choras a dormir
Ouço o teu pequeno coração a palpitar
E não consigo resistir:


Abraço-te, protejo-te debaixo da minha asa
O teu corpo, a tua alma, aquecem comigo
Vou levar-te para minha casa
E fazer com que este poema tenha sentido.


Maria Teixeira de Barros, 10º F

O RIO

     As águas transparentes do rio, cintilantes até – quando o Sol lhes incidia a pique -, iniciavam o seu percurso na nascente. Situava-se numa superfície plana, no cume de uma alta montanha, pelo que de início fluía calmamente, por vezes demais, como se de um fardo estivesse a ser alvo: o de aprender a existir. Depara-se, pouco tempo depois, quando já tinha a noção de que um percurso desconhecido a esperava, com uma encosta e, por ser essa a única hipótese de continuar trajeto e porque parada não podia ficar, desce-a. Era uma longa encosta, mas talvez da sua extensão não tivesse noção porque tudo lhe pareceu passar muito rapidamente. Conheceu novos locais durante esse vertiginoso percurso, brincou com as pedras que as crianças, à sua beira, lhe atiravam, juntou-se a novas águas que, sem dar conta disso, a acompanhariam até ao fim do percurso. Retomou uma velocidade mais moderada quando a descida da colina terminou, acabando assim a etapa do seu trilho de que tantas vezes no futuro se recordaria, invadida por um forte sentimento nostálgico.
     Por durante muito tempo decorreu aquele novo estádio da sua vida. Foi antes um período de descobrir novos horizontes: da serra, passou por aldeias, seguiu até cidades e houve tempos também em que, em momentos dedicados à meditação e ao descanso essenciais ao prosseguimento do trajeto, se afastou por momentos dos amigos que se lhe haviam juntado anteriormente para se lhes reunir mais à frente. Houve prazeres e desgostos, por onde quer que passasse, inevitavelmente.
     Foi mais tarde que, finalmente, decidiu acalmar e assentar. Adotou uma velocidade mais lenta; encontrara a felicidade e queria desfrutar desse seu novo achado. Porém, a transparência que por tanto tempo durou, escasseava agora. O turvo, o opaco, a impureza e também o sujo mostravam-se mais aparentes. Vinham ao cimo da água as grandes questões existenciais, perguntou-se quando chegaria ao fim, que ainda não se vislumbrava, e o que nele existiria: se um vasto leque de novas oportunidades, um novo início ou uma derradeira paragem; esses mesmos pensamentos fizeram com que mais rapidamente corresse, em busca de respostas, e com que a sua felicidade fosse minguando. Pelo caminho, durante essa sua fase, a água daquele rio viu o seu leito aumentar, distraindo-a das questões com que se deparara anteriormente, permanecendo assim durante tanto tempo, que entristeceu quando o que a alegrara se afastou de si, seguindo diferentes caminhos, quando decidiram procurar outras águas a que se juntar.
     Chegou um tempo em que a água não se viu com capacidades para continuar à mesma velocidade. Foi curiosamente no tempo em que avistava já o início do fim; tão rapidamente percorreu para descobrir como ele era e, agora que já o vislumbrava, desapareceu-lhe a curiosidade de como seria terminar o percurso. Essa curiosidade foi substituída pelo medo e pela saudade da colina que, há tanto tempo, percorrera. Porém, e como tudo tem uma maneira de se compensar, avistou uma nova colina. Chegou até ela e começou a descê-la. Não era, no entanto, como a colina que descera noutros tempos. Era mais vertiginosa, navegou por ela muito mais rapidamente, e, olhando para trás, tudo parecia distante e ela sentia-se abandonada. Apercebeu-se de que era uma colina que, rapidamente, a conduzia até ao fim. Porém, tão rapidamente que não pôde sequer ver como o fim era.
      Atrás de si, novas águas vinham e continuam vir. Os seus percursos? Semelhantes.
     Todas as águas e todos os rios terminavam o seu longo percurso na foz, nenhum voltando à nascente para anunciar o que espera todos no tão intrigante final.

Eduardo Manuel Diogo Nunes, 10º F, nº 8

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